O mundo civilizado e urbano começou a descobrir que existem abelhas produtoras de mel que são dóceis e não picam ninguém. Lindas abelhas que podem ser manejadas por mulheres, homens e crianças sem a necessidade de nenhuma proteção! As chamadas abelhas sem ferrão (asf) na verdade possuem um ferrão atrofiado, pois perdeu sua utilidade quando elas passaram a morar em ocos de grandes árvores. A proteção que as árvores proporcionaram a essas abelhas durante milhares de anos fizeram com que elas atrofiassem o seu ferrão por falta de uso. São em torno de 500 espécies ao redor do planeta, mas cerca de 300 espécies são encontradas só aqui no Brasil. Uma riqueza que apenas começou a ser descoberta por nossa civilização. Nas Américas diversas etnias já lidavam com elas muito antes da chegada dos colonos europeus. Povos Maias e Aztecas reservavam lugares sagrados pra elas, junto aos templos, onde se cultuava um Deus Abelha. Aqui no Brasil os Kayapós do tronco Gê conseguiram semidomesticar 9 espécies dessas abelhinhas dóceis, além de reconhecerem e denominarem mais 56.
Desenho Kayapó mostrando ninho de abelha sem ferrão/Gravura Maia com homem extraindo potes de mel/pólen |
Quando os europeus chegaram ás Américas e conheceram as abelhinhas de oco de pau e quando viram os nativos extraindo mel, samburá e cerume, se encantaram com elas. Ao mesmo tempo ficaram surpresos por não possuírem um ferrão como as abelhas européias. De norte a sul do continente americano existe o registro de povos que lidavam com essas abelhas, alguns apenas para extração de seus produtos e até se alimentando de suas larvas. Outros povos chegaram ao ponto da semidomesticação e a um trabalho de melhoramento genético delas e viam as abelhas como uma verdadeira divindade. Os colonos espanhóis e portugueses logo passaram a trazer essas abelhas pra perto de suas casas, visto que eram inofensivas. Inicialmente serravam o tronco da árvore onde estava o ninho e o dependurava no beiral da casa. Aos poucos começaram a experimentar a transferência desses ninhos para caixotes rústicos, como eles já faziam com as abelhas européias.
Entrada de abelha nativa no tronco de uma árvore. |
Criação "cabocla" de abelhas jandaíra no nordeste Tronco com ninho no beiral da casa |
![]() |
Mulheres descendentes Maias e seu meliponário de troncos |
E assim foi se desenvolvendo a cultura de criação das abelhas nativas do continente, levada através dos séculos por muitas comunidades tradicionais e também no seio de algumas famílias rurais, tradição passada de pai pra filho e de mãe pra filha como os meliponários mantidos no México pelas descendentes Maias.
Nos séculos XX e XXI o Brasil teve a sorte de abrigar três nomes que entraram pra história das abelhas nativas: o padre Jesus de Santiago Moure, o engenheiro agrônomo Warwick Kerr e o ambientalista Paulo Nogueira Neto. Numa mesma época e trabalhando individualmente eles descobriram e classificaram centenas de espécies de abelhas nativas, descobriram segredos de sua genética e comportamento bem como o estudo e desenvolvimento de caixas e muitas técnicas de manejo para elas. O material que estes três gênios deixaram registrado é tão vasto que até os dias de hoje serve de base para as pesquisas modernas.
Por volta do ano 2000 o pesquisador Fernando de Oliveira trabalhando no Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia INPA, desenvolveu um modelo de caixa racional com módulos verticais que leva o seu nome, facilitou muito a vida dos meliponicultores e foi decisiva para o recente avanço da meliponicultura racional.
Warwick Kerr, Paulo N. Neto e o Padre Moure em foto de 1951 Fernando Oliveira o criador da caixa inpa |
Meliponário da cantora Ivete Sangalo e seu marido |
Com o advento da internet a troca de informação entre os criadores de diferentes regiões ganhou o impulso que precisava e na virada do século XXI a meliponicultura começou a crescer num ritmo muito veloz, mais e mais pessoas passaram a se conscientizar da existência das abelhas sem ferrão. Em 2010 já contávamos com varias associações regionais de meliponicultura e com um vertiginoso número de pessoas a desejarem as dóceis abelhinhas. Mas até então ainda pairava um enorme empecilho para quem desejasse trabalhar com as asf: a falta de legislação específica pois até então só se dispunha de regulamentação para as abelhas africanizadas, as ápis e os meliponicultores se viam obrigados a se enquadrarem por aí, como apicultores ou a permanecerem no anonimato, carecendo de políticas públicas para o novo setor. O grito de "aleluia" para os criadores veio em 2020 quando o COSELHO NACIONAL DE MEIO AMBIENTE publicou a resolução 496, reconhecendo a meliponicultura como atividade legal e passivo de regulamentação, o que neste momento está acontecendo em diversos estados da federação. Nos últimos anos a grande mídia vem trazendo cada vez mais o tema em reportagens sobre as abelhas meliponas mas a maioria das pessoas ainda não faz a menor idéia da existência das abelhas sem ferrão. O fato é que quem tem um contato com elas logo fica pra lá de apaixonado e com muito desejo de possuír umas caixinhas no quintal de sua casa ou ao lado da janela de seu quarto. E você, já providenciou sua caixinha asf ???